sábado, 27 de outubro de 2012

O dia em que nasci


No dia em que nasci, o vento não deixou de se arrastar,
esguio, por ruas de ninguém.
Nasci, porque não quis perder a primeira folha de Outono,
A soltar-se da árvore mãe.
A balouçar-se ao vento e aos sonhos.
Que toda a folha, de toda a árvore tem:
A vida num sopro…
E uma só caricia à alma.

Só está vivo, quem não sabe que vive.
E mais vale a loucura de não o saber!
Qual aragem gélida e sufocante,
Roçando nos cabelos selvagens,
Que insistem, teimosamente, em nos beijar os lábios e o olhar
Sacudimo-los violentamente.
E entre o desfazer o nó, com as pontas dos dedos,
e a bonança, para onde corre todo o tempo,
Ninguém diz que por ali passou
a vida.

No dia em que eu nasci…
Ah, e parece que foi ontem que nasci!
A minha alma não cabia em mim.
Do excesso, fiz poesia.
E neste sopro, vão os versos,
vai a alma que em mim não cabia…
E uma dor de quem não sabe viver.
A última folha caída.

Rita Oliveira
27.10.2012

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Sem nada de novo





Não quero crer que tenho a alma gémea
que os homens trazem pela mão. 
Essa crença ou frustração, 
Sufoco ou liberdade, 
Doença vaga ou lucidez insana, 
que se prega ao peito, cabeça, 
coração, 
ou nada… 
e vem dizer com voz de ninguém “eu amo”. 
Soltam-se uns versos a céu aberto, 
canta-se a esse estado de alma,
prisão da mente, sufoco precipitado,
se em algum momento acreditou,
porque amou,
ou crê ter amado.
A um não sei quê que palavras não expressam
ou não servem para dizer…
Uma mistura homogénea disto e daquilo,
mão que cobre os olhos, os lábios,
num só bater de coração.
Mas sempre intemporal,
quer-se virgem, quer-se eterno,
esse amor nunca fantasiado.
Meus amigos, creio solenemente nunca ter amado!

Rita Oliveira
8.05.2012

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Alma à vista




Costumam ver-me sozinha,
Trago um vestido transparente,
Cor-de-alma,
e ilusões na bainha.
Nessas margens onde já se implorou poesia
e se lavou a cara de medos,
Eu lá ando, trago a vida ao ombro,
suspensa na ponta dos dedos,
Um sabor a liberdade acaricia
os cabelos…
mas sem tempo de limpar os cantos da boca.
E venho com lágrimas, venho com versos,
e suspiros,
desenhados na minha pele nua,
Com uma verdade que ofusca
todos os que me vêem vaguear na rua.
E é pelos olhos que lhes oiço a voz rouca:
«Quem vive passeando-se na dor,
encurralando-se nos caminhos da amargura?»
Pois que nunca me largue essa Loucura!
que corre comigo nas margens dos sonhos,
e vem deslizar na terra húmida,
que os homens já não se atrevem a pisar.
Mas não, não é por isso que deixo de dançar,
nas margens do rio,
no silêncio e nos murmúrios, que me traz essa razão,
Que só aos esboços das minhas ilusões,
Eu sou o toque da realidade.
Não fui eu, não fui eu que me fui!
Sou eu quem vive essa verdade.
Enquanto sanidade não me impedir de viver.
Deixem-me, deixem-me na margem!
Eu quero estar à margem!
E silencio,
para dançar.

 «E é por ser duro o acordar,
que vou deixar de adormecer?»

Rita Oliveira
16 de Abril de 2012

sábado, 21 de janeiro de 2012

Ao Café


Perguntaram-me o que desejava,
Pedi uma chávena de ilusão,
com creme e espuma,
e um pacote de sonho,
Que não me queriam servir.
Sem saber quem eu era, alguém passava:
- O que fui ontem,
Já hoje esqueci de madrugada.
Que serei amanhã? Quem quer saber? Quem?
Eu não,
Penso que fui pelo Mondego, Tejo
Ou nas correntes quentes do Verão.
Nos ventos do Norte,
No mar que rebenta sem rebentar,
Talvez o que fui,
já seja de alguém.
Na dúvida, trago presa a alma:
Como se pode ser não sendo?
Criança consciente de sua inconsciência,
Plenitude, em estado de dormência,
Ainda sobe ao muro a equilibrar-se na loucura.
Venha ela sentar-se comigo à mesa,
Que os demais já não me servem!
Não! Acabou-se-me a ilusão!
Empregado, traga-me café do mais doce,
Que a sombra na alma ainda perdura,
E ainda trago na boca,
O gosto da amargura!  



Rita Oliveira
20.01.2011