Sopro de Loucura (a criança que fui)

Há muito que o azul do céu fugira, era agora cinzento, triste, frio, violento e chuvoso, a relva estava húmida, eu conseguia senti-la bem debaixo dos meus pés descalços, a terra molhada enrolava-se à volta dos meus dedos como se quisesse que eu a levasse dali, o vento tocava-me nos cabelos que, uma vez por outra me vinham beijar os lábios.
Estava despida, despida e nada mais levava comigo a não ser eu, e caminho…
Estava despida, despida e nada mais levava comigo a não ser eu, e caminho…
Caminho e faço das nuvens e estradas de sonhos meus, na travessia entre a realidade e a ilusão que impera no meu ser e me encosta á loucura, ou a um suspiro profundo…
Caminho como Ser Imperfeito, feito de Imperfeições, criado na Imperfeição e sim, tão Perfeito de tão Imperfeito que é, de tanta Imperfeição que tem, e Imperfeita enrolo-me sobre mim escondida do mundo, de olhos abertos, encostada à sombra da alma, mas caminho…
Caminho debaixo de um céu cinzento, caminho em cima da relva húmida, caminho na terra molhada que se agarra aos meus pés, caminho despida… e o vento toca-me em cada pedaço da minha pele…
Caminho na chuva, na tempestade… mas caminho…
O rio corre violento…
Gritam as arvores, soltam-se as folhas...
E num pranto dá-se a força da natureza e a confusão do Homem...
E num pranto dá-se a força da natureza e a confusão do Homem...
De um Homem…
que não é Homem…
Mas caminhei e continuei a caminhar
E algo me fez parar e olhar,
Mas caminhei e continuei a caminhar
E algo me fez parar e olhar,
Atrás um buraco vazio…
Em frente… a multidão.
Pessoas de costas voltadas…
Pessoas que falavam
Pessoas sem voz…
Uma criança saiu do meio da multidão, que não se mexeu á sua passagem…
Uma criança saiu do meio da multidão eufórica e feliz...
Uma criança saiu do meio da multidão com uma margarida presa no seu cabelo escuro…
Deu-me a mão, tocou-me na cara...
Nos cabelos…
Nos cabelos…
Olhou-me nos olhos…
E havia qualquer coisa de familiar…
Olhou-me nos olhos…
A felicidade súbdita, a espontaneidade…
Olhou-me nos olhos…
A juventude infinita, a saudade…
Os lábios grossos e um beijo solto…
Naquele dia, debaixo do meu céu cinzento, em cima da relva húmida, da terra molhada, caminhei despida de uma vida…
Como se um calor interior me cobrisse a pele nua, corri para o meio da multidão…
O sol que rasgou o céu cobriu cada pedacinho do meu corpo…
Olha cada uma daquelas pessoas ali… no centro.
Olhei cada uma daquelas mulheres, cada um daqueles homens, sem cara, sem pele, sem olhos, sem boca, sem lábios…
Oh, como tenho pena de vocês que caminham despidos, debaixo de um céu cinzento, que sentem a relva húmida e a terra molhada a enrolar-se, a arrefecer-vos o sangue…
Que pena tenho de vocês, que para dentro nunca olham, nunca olharam nem olharão…
Que pena tenho de vocês que tanto envelheceram…
Que pena tenho de vocês que ao espelho nunca se viram…
O rio e a sua forma cristalina fazia barulhinhos enquanto corria e batia suavemente nas margens…
Eram respirações, batimentos, eram lágrimas e sofrimento, alegria e calor que me vestiu, apertou o coração…
Que a minha voz seja sempre a mesma voz daquele olhar… que eu consiga entender o mundo, através daqueles olhos…
Olhei para trás e nada vi…
Girei sob os calcanhares e…
Segui em frente segui por estradas de nuvem em sonhos que são meus, em momentos de loucura ou num simples suspiro…
Segui em frente e levei comigo a multidão, cada sopro, cada aragem de vento, cada gota de chuva, cada olhar de criança, cada milímetro de saudade…
Segui em frente e levei-me comigo, segui em frente e levei-os a eles...
Segui em frente e levei… uma margarida presa no meu cabelo escuro.
E nos meus lábios grossos…
...um beijo solto…
Rita Oliveira
23.04.2009
23.04.2009